09 setembro 2006

PARTÍCULAS


Abro os braços no espaço escuro e me abraço desfazendo o que se refazia. O peito dói de fumaça. As paredes não me suportam. Bato o pênis duro sem vontade de nada. O gozo escorre rápido sem gozo. Escuto o telefone fora do gancho e a sonoridade contínua anterior a qualquer voz livra-me por segundos de outras vozes. Elas retornam depressa, se cruzam, atrapalham e mergulham com estardalhaço no silêncio. Silêncio é som branco se propagando na penumbra. Passado é luz e penumbra. Penumbra e medo, o agora, devindo. Acendo um resto de vela, não há mais fósforos. No espelho sou uma sombra que vê um corpo nu. Sou serei fui isso. Procuro não pensar em tudo o que vi e que não serviu para nada. Quando se pensa em não pensar, já é tarde demais. À merda. Tenho um pedaço de pão novo e outro velho, duro. Mastigo com força, manchando de sangue a massa empedrada. O gosto por fim não é mal. O gosto de uma conversa antiga, “Precisava tanto de ti que tua aparição foi milagre. Pulava a teu redor e, desnorteada, tu não entendia nada”. “Achava tudo muito estranho, desconfiava do excesso de afabilidade, mas tua delicadeza foi aos poucos me acalmando”. “Verdadeiras provas de resistência precisaram ser cumpridas, egos, esperanças, necessidades, passado, futuro, tudo se amalgamando e comprimindo com isoladas erupções até a chegada do primeiro terremoto”. “Destroço, ódio alimentando ódio, ressentimento crescente e votos de boa morte”. “Depois disso, fez-se paz. Éramos sorrisos, confidências, medos comungados, entusiasmos com promessas de amor, divagações acerca da estranheza de terceiros que habitavam nossa órbita”. “Nossa identificação de almas”. “Tu era uma menina suada e bonita, me tomava sempre o braço e se requebrava toda querendo que te seguisse o passo”. “Tu não me seguia e eu te empurrava o rosto”. “Teu sorriso vermelho bonito. Te batia na bunda, e me batias de volta na cara”. “Brigávamos”. “Tu saía correndo e teu cheiro perfumava o vento”. Ela foi embora. Ela foi. Foi ela! Foi eu, eu fui eu e ela não foi. Foi ela e não eu que se fez só perfume. Ela tinha medo. Não era pra mim. Eu temo agora aquele medo dela. Essa prosa toda na lembrança me deixa seco, com sede. Não tomo água e o gosto acre me puxa para o dia que.


Anonimus Zan

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