Hoje em dia é fácil gostar de Pedro Almodóvar. Reconhecido mundialmente, prestigiado pela indústria do cinema americano, símbolo da Espanha moderna. Mas penso na recepção aos seus primeiros filmes. Imagino que ele dividisse e muito as opiniões entre gente com a mente aberta para compreender o outro, capazes até de um passo mais adiante e ver que a compreensão do outro pode ser um atalho para entender a si mesmo, formando uma opinião mais atualizada de ser humano, e do lado oposto, aqueles que não aceitam desvios do que foi estabelecido para ser seguido. Que, é claro, abundam até os dias de hoje, e para quem deve ser fácil odiá-lo. Penso sobre o filme A Lei do Desejo.
A narrativa começa com um rapaz de olhos expressivos sendo dirigido por um vouyer/diretor que conduz uma cena erótica. É tão abrupto quanto um filme pornô. Linguagem cinematográfica marginal que vai ser de certa forma metaforizada em outras circunstâncias. O rapaz desaparece para sempre. Ele se tornará uma atriz atormentada pela lembrança de dois homens que fizeram parte de sua infância. A mulher, que em seu passado foi um belo rapaz, traumatizada por esses homens, é interpretada por Carmen Maura. Essa personagem híbrida, dramática e exagerada cuida da filha de uma outra mulher, que foi embora atrás de homens endinheirados. Essa é interpretada por um travesti espanhol famoso, de rosto inegavelmente feminino. Almodóvar talvez queira dizer com essas inversões de gênero (ficção vs. realidade), que nossos conceitos de sexualidade são falhos, que talvez não tenhamos catalogado elementos diversos o suficiente para se chegar a um conceito de gênero mais satisfatório. Essa é a primeira questão que me veio.
Mas existem muitas outras, como as relações familiares, relações humanas determinadas por padrões que geram patologias várias, e também a apropriação e ampliação do gênero thriller no cinema, enriquecido com elementos kitsch e queer. E o mais marcante nisso tudo, o exercício de liberdade, e coragem do diretor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário