18 novembro 2010

A Função do Escritor

Que o mundo «está infestado com a escória do género humano» é perfeitamente verdade. A natureza humana é imperfeita. Mas pensar que a tarefa da literatura é separar o trigo do joio é rejeitar a própria literatura. A literatura artística é assim chamada porque descreve a vida como realmente é. O seu objetivo é a verdade - incondicional e honestamente. O escritor não é um confeiteiro, um negociante de cosméticos, alguém que entretém; é um homem constrangido pela realização do seu dever e a sua consciência. Para um químico, nada na terra é puro. Um escritor tem de ser tão objetivo como um químico.

Parece-me que o escritor não deveria tentar resolver questões como a existência de Deus, pessimismo, etc. A sua função é descrever aqueles que falam, ou pensam, acerca de Deus e do pessimismo, como e em que circunstâncias. O artista não deveria ser juiz dos seus personagens e das suas conversas, mas apenas um observador imparcial.


Têm razão em exigir que um artista deva ter uma atitude inteligente em relação ao seu trabalho, mas confundem duas coisas: resolver um problema e enunciar corretamente um problema. Para o artista, só a segunda cláusula é obrigatória.


Acusam-me de ser objetivo, chamando-lhe indiferença em relação ao bem e ao mal, falta de ideias e ideais, etc. Querem que, ao descrever ladrões de cavalos, diga: «Roubar cavalos é mau». Mas isso é sabido há séculos sem que eu tenha de o dizer. Deixem que um júri os julgue; a minha tarefa é simplesmente mostrar que género de pessoas são. Escrevo: estão a lidar com ladrões de cavalos e, assim, deixem-me dizer-lhes que não são mendigos, mas gente bem alimentada que segue um culto especial e que roubar cavalos não é simplesmente roubo, mas uma paixão. Claro que seria agradável combinar arte com sermões, mas, quanto a mim, é impossível por questões técnicas. Para descrever ladrões de cavalos em setecentas linhas, tenho de falar, pensar e sentir à maneira deles. De outro modo, a história não será tão compacta como os contos deveriam ser. Quando escrevo, conto inteiramente com o leitor para que este acrescente os elementos subjetivos que faltam na história.


Anton Tchekhov, in "Cartas" 

Um comentário:

Tarco disse...

"gostaríamos que o escritor nos desse repostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos" Proust

tche