23 março 2011

A angústia da escrita



O vídeo do último post é interessante porque te deixa em dúvida se a mensagem é tão boa quanto a inspiração/iluminação com que é contada. Elisabeth Gilbert, autora de Comer, Rezar, Amar - livro que dizem é uma merda, e faz muito sucesso - fala justamente sobre a inspiração (daemon, gênio) que se manifesta durante a criação literária, ou não. Acho incrível quando ela fala do estereótipo que se criou sobre pessoas que lidam com a escrita criativa: são perturbados mentais, gente com tendências suicidas. Ela reconhece que o número de escritores que tiraram a própria vida é muito alto pra que não se veja uma relação. Gilbert, porém, questiona até que ponto a pressão e o estereótipo não condicionam essas pessoas para lidar com a angústia da escrita de modo tão trágico. Ela exemplifica com a afirmação de Norman Mailer, de que cada um dos livros que escreveu o matou de algum modo. 

Lembro da entrevista hipnotizante de Clarice Lispector na TV Cultura, repleta de angústia. Mas ela diz que quando não está escrevendo é que está morta, ou algo assim. Ou seja, mesmo que indiretamente, Clarice vê o seu ofício como algo que gera sofrimento. É muita gente mesmo! Virginia Woolf, Anne Sexton, Ana C., Sylvia Plath, Paul Celan, Hemingway, Torquato Neto, David Foster Wallace, Raul Pompéia, Yukio Mishima, quem mais? Acho que o condicionamento possa ter alguma participação, mas o elemento sensibilidade deve ser muito mais preponderante. E isso vale pra todos, escritores ou não.

Mas voltando a palestra de Gilbert, ela reconhece que fracasso, rejeição e medo são coisas que fazem da parte da realidade do escritor e que seria melhor se aprendêssemos a lidar com isso, para que nesse século,  as mentes criativas sejam encorajadas a viver. A angústia, nesse contexto, é algo inevitável. Mas segundo ela, cedo ou tarde, cada um aprende a lidar com períodos férteis e com períodos de bloqueio. Tem um quê de auto-ajuda, mas na fala de Gilbert não fica vexatório quando ela afirma que a única coisa que cabe ao escritor é conduzir o seu trabalho de modo que, por mais que não seja brilhante ou genial, ele tenha sido feito com dedicação; com o compromisso que requer a escrita. 

Quanto aos métodos de criação, ela cita o caso de Tom Waits, que várias vezes passou pela situação de criar mentalmente versos incríveis em momentos que ele não tinha como registrar e por isso, muitos versos e poemas perderam-se na memória. Waits aprendeu a lidar com isso, passando a dialogar com a própria inspiração. Certo dia, ao volante, ele disse ao "espírito" que lhe soprava palavras com encaixes perfeitos que o importunasse num momento mais apropriado. Que fosse procurar Leonard Cohen. Desse modo, Waits resolveu seu problema com a falta de timing da inspiração. Ruth Stone, uma poeta, contou a Gilbert que seu processo é o seguinte: seus poemas surgem geralmente no campo, quando ela está passeando. Nesse momento, ela vê a terra tremer. Sinal de que o poema vem em sua direção. Daí ela corre até sua casa, seguida pelo poema. Daí ergue a mão com a caneta e no papel o poema se manifesta. Só que de trás para frente. Gilbert diz ter comentado com Stone que esse é exatamente o seu processo de escrita. Eu ri.

Tarco         

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