02 setembro 2011

Conto

Blecaute


A garotinha míope e paraplégica não parecia nem um pouco indefesa, a moça observou. A menina segurava no colo um gato de pelúcia. Estava com o pai, um homem de aspecto desconfiado. Enquanto o homem examinava latas de cerveja, a filha observava a moça, que vasculhava o freezer a procura de sorvete de chocolate. Havia apenas creme com passas. Isso irritou muito a moça, que desceu à loja de conveniência a contragosto, forçada, como um fumante que cede ao capricho do vício. Acabara de ler uma das odes de Keats, deixando a ode à indolência para depois de um bom sorvete de chocolate. Mas não tinha. E ainda por cima, havia uma menina e seu gato de pelúcia encarando-a. A luz no interior da loja enfraqueceu de súbito. Olharam todos automaticamente para a lâmpada. Foi então que tudo escureceu por breves segundos. A garotinha moveu o tronco à procura do pai, quando seu bichano recheado de pano foi ao chão. O homem se aproximou, tocou-a no ombro e disse que estava ali, que estava tudo bem. Logo a luz voltou, tão rápido que não houve tempo para a atendente desconfiar do homem com as latas, da moça em frente ao freezer e muito menos da menina na cadeira de rodas e seu gato. Com o retorno da luz, tão repentino quanto a sua queda, perceberam o sumiço da moça que estava diante do freezer. A atendente saiu detrás do balcão e caminhou até a porta, olhando meio que desconcertada para as laterais do posto de gasolina. A menina míope percebeu que seu bicho de pelúcia também havia desaparecido. O pai também. Afobado, perguntou pelo bicho, antevendo o ocorrido. A menina acariciou a mão do homem e o tranquilizou, estava tudo bem.


Tarco Zan

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