É impossível evitar o açoite dos
arbustos. Para não falar nos cipós camuflados, verdadeiras arapucas cuja única
função parece que é atrapalhar o caminho. Com algum contorcionismo, evita-se
aqui e ali um espinho, um galho seco e traiçoeiro. Mas não o tempo todo. Afinal,
eles fazem a manutenção da dificuldade. Antagonizam, têm o seu papel. As ramificações
muitas vezes se desfazem logo após ferir o passante. No caso, eu mesmo. Para seguir,
mesmo com desvios pontuais, precisa saber lidar com a brenha e, por conseguinte,
com os arranhões e ferimentos. Fazem parte, são inevitáveis. Algumas vezes eles
parecem surgir do nada. É por causa do sangue quente, que, na hora, adormece o
tato, retardando um pouco a dor. Ela, a dor, se intensifica mais com o fim do
dia, quando vai chegando a hora da parada. O que coincide com o regozijo da
pequena vitória com a missão cumprida. A sensação alivia até um pouco da sede
incessante. O descanso, por sua vez, coincide com a perspectiva tormentosa de
ter que continuar vagando no dia seguinte. Pelo menos permaneço vivo, lembro. Atribuo
ao meu pequeno flagelo, a capacidade de apreciar a permanência. Sempre tão breve.
Tem um sonho repetido no qual estou
bem longe dos arbustos, num lugar parado, morto, e só eu vivo vejo tudo,
contemplando a aniquilação do mundo, meio feliz e meio triste. É tudo tão
batido que adivinho logo que é sonho e então luto pra não despertar. Nessas
ocasiões, tento materializar um telefone com a força da mente, e assim ligar
para o Miguel. Queria trazê-lo de volta por um instante mínimo. Nem que fosse apenas
para ouvir a sua respiração, como da última vez em que nos vimos. Mas não tem
jeito. Percebo imediatamente que tudo não passa de um sonho e que continuo vagando,
abrindo trilha pra cada vez mais longe, impávido.
Tarco
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