11 dezembro 2012

Fragmentos



É impossível evitar o açoite dos arbustos. Para não falar nos cipós camuflados, verdadeiras arapucas cuja única função parece que é atrapalhar o caminho. Com algum contorcionismo, evita-se aqui e ali um espinho, um galho seco e traiçoeiro. Mas não o tempo todo. Afinal, eles fazem a manutenção da dificuldade. Antagonizam, têm o seu papel. As ramificações muitas vezes se desfazem logo após ferir o passante. No caso, eu mesmo. Para seguir, mesmo com desvios pontuais, precisa saber lidar com a brenha e, por conseguinte, com os arranhões e ferimentos. Fazem parte, são inevitáveis. Algumas vezes eles parecem surgir do nada. É por causa do sangue quente, que, na hora, adormece o tato, retardando um pouco a dor. Ela, a dor, se intensifica mais com o fim do dia, quando vai chegando a hora da parada. O que coincide com o regozijo da pequena vitória com a missão cumprida. A sensação alivia até um pouco da sede incessante. O descanso, por sua vez, coincide com a perspectiva tormentosa de ter que continuar vagando no dia seguinte. Pelo menos permaneço vivo, lembro. Atribuo ao meu pequeno flagelo, a capacidade de apreciar a permanência. Sempre tão breve.

Tem um sonho repetido no qual estou bem longe dos arbustos, num lugar parado, morto, e só eu vivo vejo tudo, contemplando a aniquilação do mundo, meio feliz e meio triste. É tudo tão batido que adivinho logo que é sonho e então luto pra não despertar. Nessas ocasiões, tento materializar um telefone com a força da mente, e assim ligar para o Miguel. Queria trazê-lo de volta por um instante mínimo. Nem que fosse apenas para ouvir a sua respiração, como da última vez em que nos vimos. Mas não tem jeito. Percebo imediatamente que tudo não passa de um sonho e que continuo vagando, abrindo trilha pra cada vez mais longe, impávido.

Tarco

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