24 maio 2006

Amém digo

Tem gente que olha os mendigos adormecidos no chão frio da rua com frieza maior que o próprio colchão duro desses famintos. Quando comem, comem o pão tão duro quanto o solo em que dormem, pão amanhecido tantas vezes amassado pelo diabo. Seguem os olhares ao longo do dia, apressados, medrosos, outros, poucos, generosos. Estes dão, dizem não se arrepender, mas quando flagram noutra esquina a moeda gasta em droga, percebem a droga que fazem e não mais sustentam o vício alheio de sorver o álcool pelos canos de escape. O motor falha nas grandes cidades. Os canos se espremem, as pessoas se engarrafam dentro dos ônibus. Sol, chuva, sol, chuva, perfumes, fumaça, vidros fumê, homens blindados a caminho de estacionamentos no subsolo underground dos flanelinhas que tomam conta, a caminho de elevadores claustrofóbicos com ascensoristas que mal sobem de posto, mudam de andares, sem andar, nunca de ares. Prédios petrificados se confundem com o cinza ar-poluído de fora e de dentro dos escritórios com seus executivos ar-condicionados. Café preto, pingado. Mais fácil cruzar com gatos pretos que com gatos pingados. Multidão com pressa taquicárdica, o tempo voa, o jornal mal lido corre pelas calçadas onde crianças descalças brincam de adultos. Mais difícil ir para a escola que cheirar cola. Sem-futuro garantido: pedir esmola e... Acabar, talvez, como aqueles dormentes já de tanto sofrimento na sarjeta gelada da vida.

Pal

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