10 outubro 2006

SUPERNOVA


A música entrou forasteira pra dentro e nunca mais saiu, passou a fazer parte de tudo e sem ela eu seria eu sem ela, ou seja, não mais eu e sempre silencio sobre ela pra não assustar muito mas ela quer mais é mostrar-se de alguma forma e usa meu corpo exigindo movimentos que lhe dêem expressão, linguagem, e as vezes me sinto cansado, quero parar mas não consigo porque ela zune ensurdecedora se muito tempo passo sem dançar, me esticar, cruzar e retrair membros com movimentos bruscos e mínimos num diálogo sem significado, só diálogo, não adianta tapar os ouvidos que ela cresce como se fosse explodir e talvez isso tudo tenha acontecido porque sempre temi o silêncio, medo sempre reverente como se pudesse tomar castigo a qualquer momento por qualquer coisa e agora sou escravizado por essa música constante e exigente de expressão, coisa onipresente que requer os maiores cuidados pois qualquer desarticulação entre ritmo e movimento faz saltar aos olhos a desarmonia e então fica ainda mais perceptível essa marca constante que me acompanha nessa terra da qual tento me isolar pra morrer bem elefante e assim foi que encontrei essa estufa de vidros sujos e embaçados que de dentro dá vertigem de tanta luz e quando aqui ontem cheguei rodopiei em torno de mim, sem parar, deixando meu corpo bailar com a música. Se algum outro ali entrasse ouviria apenas meus passos marcados no chão ressonante. Dancei até que o suor escorresse e as paredes de vidro também suassem.

Eu precisava mais e mais ficar sozinho e temia por mim. Agora agora a estufa escurece novamente e eu conto os segundos, não lembro quanto tempo levou para cair a noite de ontem mas hoje está slowmotion tenho certeza e a música não para nunca, meu corpo exausto não quer parar. Não sei mais como parar. Não podendo resistir, caí, meu corpo não para de se mover, no chão, acompanhando o ritmo da música, sinto meus lábios se abrindo num sorriso cansado de prazer, o rosto pesa. Anoiteceu por completo e estendido no chão, é possível ver através dos vidros que a noite descerra um pouco de luz, pálida e já não me movo mais, a música não para. Os ruídos da noite se misturam à música e acima de mim o céu gasoso baixa crescendo a luz da luz ofuscante, num evento, engolindo a estufa, eu e a música que não me deixa sentir medo.

TARCO ZAN

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