27 setembro 2008

Mesquinha


Não se conta tudo porque o tudo é um oco nada.
Clarice Lispector

Cheguei em trapos por volta das duas. O choro saiu, mas foi menor que um outro mês passado. Susto. Tenho dessas de surtar em qualquer hora sem prévio aviso. Gosto de andar e andar sozinha, daí o cavalheiro foi me acompanhar para pegar uma moto-taxi, assim regressaria insana e salva à minha casa. Sem clima. Cerveja me deprimiu mais do que já devia, então preferi ir a pé, confiando na sorte ou na morte mesmo. Esperei ele sair, dizendo (bela frase) "cara, eu já falei, se quiser ir embora, vá". Não houve nenhum assalto. Sim, eu poderia ter sido roubada, estuprada, mas fui só esquecida. E por mim. Aprendi a ficar invisível. Mesmo assim um motorista me ofereceu carona preocupado. Quem acreditaria? Nem disse ao menos obrigada, apressei o passo. Adiante, uma voz feminina gritou por mim. Fingi não ter escutado e rumei em direção à rua escura toda depenada.

Assim, da outra vez eu estava aos prantos, nem lembro mais pelo quê. Daí ele me seguiu, deu um abraço e se preocupou comigo. Aliás, nem sei se foi comigo ou com a responsabilidade dele. Tipo, "ah, se acontecer algo com ela, vai sobrar pra mim!" Só que desta vez lembro bem do motivo, afinal foi ontem, o álcool ainda não interrompeu o fluxo anímico. Eu queria matar meus desejos carnais enquanto ele comia um espeto de maminha sem mergulhar na farofa. Com os amigos. Eu havia me depilado inteira, preparado as minhas rédeas, mas não rolou nem um amasso.

Sabe o que é esperar a semana inteira por um contato animal e não dar certo? Parece que quanto mais se planeja um ato, mais ele se desata, você sacrifica as coisas em troca de vácuo puro. Permaneço inquieta. No meu quarto, arranquei o terço da cabeceira da cama e o parti ao meio. As bolinhas caíram, fui ao chão com elas. A parte da cruz pairou sobre mim feito um aviso. Olhei bem pro cristo torto e disse que era o fim, metendo a cabeça no piso gelado. Depois de um tempo me contorcendo na beira do leito, já me imaginei cadáver pulando a janela. Levantei para fumar dois cigarros, acendi dois na boca de uma só vez. Suguei tanto que a brasa se alongou. Fi-la passear em meu pulso direito, ver até onde a dor ia. Deixei arder só um pouquinho, quando amanheci que vi as marcas.

Os olhos inchados feito picada de abelha. Os cabelos desgrenhados, com vontade de raspar, mas ainda me sinto sexy com eles alá medusa dos infernos. O medo usa a alma depois a quer lavar. Eu, só as minhas mãos, depois de me excitar canhestra, sozinha.

PAL oca

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