24 março 2009

NON

Estou lendo "Como Proust pode mudar sua vida" (Ed. Rocco), lá Alain de Botton ensaia sem chatices acadêmicas quando Proust e Joyce se encontraram. Foi no Ritz, em Paris, num banquete oferecido a Stravinsky e aos membros do Balé Russo para festejar a encenação de "Le Renard". Joyce chegou atrasado e sem smoking. Proust já estava lá, mas como vivia doente (ele morreria nesse mesmo ano), nem tirou o casaco de pele, com medo da corrente de ar. Joyce narra como foi esse encontro:
"Nossa conversa constituiu somente na palavra ‘Non’. Proust me perguntou se eu conhecia o duque fulano-de-tal. Eu respondi: ‘Non’. Nossa anfitriã perguntou a Proust se ele já tinha lido algum trecho de ‘Ulisses’. Proust disse: ‘Non’".


O não-diálogo entre Proust e Joyce não terminou ali, continuou no táxi, após a ceia. Joyce, meio rústico tal típico irlandês, entrou sem pedir permissão no carro que conduzia também os anfitriões da noite. Foi logo abrindo a janela e acendendo um cigarro. Acho que inconscientemente ele queria matar seu concorrente no pódio da literatura do século, porque todo mundo sabia que o petit Marcel era uma flor que podia fanar-se à qualquer vento. Com efeito, repito, Proust morreu naquele ano e isto deixa Joyce sob suspeita.

Durante o trajeto que o táxi fazia, Proust ia falando sem parar com os seus anfitriões Violet e Sydney Schiff, e Joyce o olhava meio de esguelha. Mas não se dirigiam um ao outro. Tanto não estavam interessados em trocar palavras que, ao chegar à sua casa, na Rua Hamelin, Proust cochichou no ouvido de Sydney Schiff: "Por favor, peça a Monsieur Joyce que permita que o meu táxi o leve até em casa". Assim foi. É possível que além daqueles dois "Non" durante o jantar eles tenham trocado um "boa noite" ao se despedir. Mas não há registro disto.

Um comentário:

Tarco disse...

muito interessante. a primeira parte da minha bio do proust - a pomba apunhalada - termina assim: os amigos nao o suportavam. nao suportavam sua sensibilidade doentia, a eterna necessidade de afeto, as vibraçoes amorosas, as lagrimas a flor da pele, o ar febril, os grandes olhos orientais umidos de nostalgia e de desejo... tudo nele parecia um pose; respondiam-lhe com palavras bruscas e empurrões...

familiar neh?

xxx