18 fevereiro 2013

Sylvia


Passaram-se 50 anos do dia em que a poeta americana Sylvia Plath cometeu suicídio. 
Ela tinha apenas 30 anos, dois filhos pequenos, um ex-marido (Ted Hughes, poeta reconhecido) e um livro para publicar. Ela ligou o gás, mas antes, vedou o quarto das crianças e deixou o café da manhã numa bandeja ao lado da cama. Sua vida virou filme. Sua poesia é objeto de estudos.

Sua biografia disputa espaço com o legado artístico; nessa época de celebração, multiplica-se a produção de artigos sobre a poeta. Num deles, ficamos sabendo que ela gostava de tomar sol, cozinhar, beber sherry e admirava a Marilyn Monroe. Em outro artigo, ela é retratada como uma grande man-eater, isso antes de conhecer Hughes. Uma busca rápida mostra o grande prestígio que ela alcançou por aqui: são várias traduções, de profissionais e amadores, disponíveis online. Viva!   


Espelho

Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo imediatamente
Do jeito que for, desembaçado de amor ou aversão.
Não sou cruel, apenas  verdadeiro -
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
Na maior parte do tempo medito sobre a parede em frente.
Ela é rosa, pontilhada. Já olhei para ela tanto tempo,
Eu acho que ela é parte do meu coração. Mas ela oscila.
Rostos e escuridão nos separam toda hora.

Agora sou um lago. Uma mulher se dobra sobre mim,
Buscando na minha superfície o que ela realmente é.
Então ela se vira para aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e as reflito fielmente.
Ela me recompensa com lágrimas e um agitar das mãos.
Sou importante para ela. Ela vem e vai.
A cada manhã é o seu rosto que substitui a escuridão.
Em mim ela afogou uma menina, e em mim uma velha
Se ergue em direção a ela dia após dia, como um peixe terrível.

Trad. André Cardoso





A mulher está perfeita
seu corpo

Morto mostra um sorriso de satisfação,
A ilusão de uma necessidade grega

Flui pelas listras de sua toga,
Seus pés nus

Parecem nos dizer: 
Fomos tão longe, é o fim

Cada Criança morta embrulhada, cobra branca,
Uma para cada

Vasilha de leite, agora vazia.
Ela encolheu

Todas em seu corpo como pétala
De uma rosa que se fecha quando o jardim

Se espessa e odores sangram
De garganta doce e profunda, flor noturna.

A lua não tem nada que estar triste,
Espiando tudo de sua touca de osso.

Ela já está acostumada a isso.
As crateras fissuram e dragam

Trad. Rodrigo Garcia Lopes





O enforcado

Pelas raízes do meu cabelo algum deus se apoderou de mim.
Fenvi em seus volts azuis como um profeta do deserto.

As noites caíram longe dos olhos como uma pálpebra de lagarto:
Um mundo de simples dias brancos numa órbita sem sombras.

Trad. Deisa Chamahum; Ronald Polito





Os Manequins de Munique

A perfeição é horrível, ela não pode ter filhos.
Fria como o hálito da neve, ela tapa o útero

Onde os teixos inflam como hidras,
A árvore da vida e a árvore da vida.

Desprendendo suas luas, mês após mês, sem nenhum objetivo.
O jorro de sangue é o jorro do amor,

O sacrifício absoluto.
Quer dizer: mais nenhum ídolo, só eu

Eu e você.
Assim, com sua beleza sulfúrica, com seus sorrisos

Esses manequins se inclinam esta noite
Em Munique, necrotério entre Roma e Paris,

Nus e carecas em seus casacos de pele,
Pirulitos de laranja com hastes de prata

Insuportáveis, sem cérebro.
A neve pinga seus pedaços de escuridão.

Ninguém por perto. Nos hotéis
Mãos vão abrir portas e deixar

Sapatos no chão para uma mão de graxa
Onde dedos largos vão entrar amanhã.
Ah, essas domésticas janelas,
As rendinhas de bebê, as folhas verdes de confeito,

Os alemães dormindo, espessos, no seu insondável desprezo.
E nos ganchos, os telefones pretos

Cintilando
Cintilando e digerindo

A mudez. A neve não tem voz.

Trad. Claudia Roquette Pinto

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