14 junho 2013

Tardezinha

Um temor enorme de meu olhar poético ser tragado pela maturidade balzaca, babaca, esfregando a cara no meu focinho desbotado, com gosto de nada, nada que possa me animar a vindima. E o azedo desse vinho evaporando... O tempo nos vai querendo roubar a beleza do singelo, com suas obrigações sem sentido, miradas no concreto tão obtuso. Um concreto travestido de segurança. Uma poupança coadunada com as variantes do futuro. Nunca tivemos nada.


Essa tarde, andei meio que olhando para o cinza manchado da calçada. Tem chovido, não quis escorregar. Uma velhinha rezava alto da varanda de seu segundo andar entre roupas penduradas a secar. Seca era ela, pobrezinha... Pensei em comprar uma cerveja no caminho, mas deixei para a volta, sem tantas filas em caixa. Esperei tantas vezes os sinais pararem o trânsito para que eu atravessasse antes das motos traiçoeiras, que já me considero pedestre escolada. Sem paciência, observava adolescentes na saída da aula, arrancando o uniforme para mostrar suas T-shirts. Dentre eles, uma menina ostentava a marca do Batman no meio dos peitos como quem grita por socorro em meio a um abismo de referências, só cores, logotipos, para compartilhar entre massas. Massinhas de modelar. Ainda cinzenta, subi as escadas para a biblioteca da universidade e dei um "boa noite" sem obter resposta. Preferi não insistir, meio desistente dessa sociabilidade forçada. Era meu último dia de devolução dos livros locados. Sempre que devolvo, acabo levando outros. Um sempre em falta: Sincronicidade, de C. G. JUNG. Mas apelei para Psicologia do Amor. Nele, os arcaísmos da ortografia portuguesa denunciavam a edição carcomida do ano da doação da jornalista Adísia Sá ao acervo do Centro de Humanidades, da UECE, em 1988. Aparentemente, mais antigo que a data carimbada. Autoria de Mário Gonçalves Viana. As páginas se quebram e me fazem espirrar a cada virada pela falta de restauração:


Na volta, pausa sob as árvores para analisar mais personagens nem tão reais assim. Camuflagem para alguns conhecidos nem tão conhecidos assim. Cansei e subi a rua decidida a comprar uma gelada. Escolhi a tal da Budweiser, mas já no meio do trajeto pontuei nunca mais beber dessa. Não sei, não desceu bem, amargou. E para quê? Deixei faltando um dedo perto dumas sacas de lixo, andando em zigue-zague, cortando quarteirões até chegar em casa, sem querer chegar. No fundo, queria continuar minha vadiagem solitária, reavivando um passado-recente de maneira sem graça, com felicidadezinhas clandestinas entre as praças. Mas valeu. Avistei uma casa com uns oito tipos de gato, cada um em posição diferente. Se minhas pálpebras batidas fotografassem, não haveria estas palavras roídas aqui sobrepostas.

Um comentário:

Tarco disse...

sempre uma delícia acompanhar teus passos, pedaços.