23 março 2006

Poema composto a 2 mãos

Era uma terra sem dia. Mas não era fria. Pelo contrário, à noite o vento soprava morno e dava vontade de se enterrar, ir fundo mesmo, buscar a lama em alguma camada abaixo. Nem sei como cheguei naquele inferno. Isso é o que dá andar sem rumo.

A aridez murmurava suas areias nos meus olhos úmidos e eu cegava. Mas todo o breu do não-dia me guiava para frente, com a bússola da alma, mesmo se retroagisse nunca saberia. E caminhava em círculos, ao menos parecia. Estava nauseado.

Aquilo adiante. Um vulto. Não, outra pessoa. Lá estava eu, parado, diante de mim mesmo. Um largo espelho. Falei algo ou balbuciei uma vogal babada, sei lá. O outro no espelho sorriu.

O grão no canto de cada olho me pôs vesgo. A outra pessoa era a menina dos olhos aflita por toda a vaidade vã proliferada no delírio. A ponta dos meus dedos tal o colírio, lavando bruscamente em vermelho o que era vulto.

Matei-me? Não, embora quisesse. Apenas percebi que meus olhos serviam de espelho para o meu outro eu. E no mundo dos reflexos não é real, nem imitação, é só purificação. Brincamos de nos odiar por um tempo até que cansei e dormi. Antes de fechar os olhos, vi que o outro privado de seu reflexo, não viu nenhuma graça em continuar olhando para seu eu primordial e se foi, partindo-se em mil fragmentos vítreos.

Pedaços de vidro, não. Diamantes floriam o teto empetecido, que ora olhava cabisbaixo, ora sorria de um lado ao outro feito um maníaco em sua megalomania infernal. Diamantes, não. Pérolas rompidas d’um colar invisível: hoje pingente uno, iluminado e sujo... Indivisível.

Gil
Pal

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