07 abril 2006

Bebé Igual a X / Baby Equals X

Bem sei que tudo é natural
Mas ainda tenho coração...

Boa noite e merda!...
(Estala, meu coração!)
(Merda para a Humanidade inteira!)

Na casa da mãe do filho que foi atropelado,
Tudo ri, tudo brinca.
E há um grande ruído de buzinas sem conta a lembrar.

Receberam a compensação:
Bébé igual a X,
Gozam o X neste momento,
Comem e bebem o bébé morto,
Bravo! São gente!
Bravo! São a humanidade!
Bravo: são todos os pais e todas as mães
Que têm filhos atropeláveis!
Como tudo esquece quando há dinheiro.
Bébé igual a X.

Com isso se forrou a papel uma casa.
Com isso se pagou a última prestação da mobília.
Coitadito do bébé.
Nas, se não tivesse sido morto por atropelamento, que seria das contas?
Sim, era amado.
Sim, era querido
Mas morreu.
Paciência, morreu!
Que pena, morreu!
Mas deixou o com que pagar as contas
E isso é qualquer coisa.
(É claro que foi uma desgraça)
Mas agora pagam-se as contas.
(É claro que aquele pobre corpinho
Ficou triturado)
Mas agora, ao menos, não se deve na mercearia.
(É pena sim, mas há sempre um alívio.)

O bébé morreu, mas o que existe são dez contos.
Isso, dez contos.
Pode-se fazer muito (pobre bébé) com dez contos.
Pagar muitas contas (bébézinho querido)
Com dez contos.
Pôr muita coisa em ordem
(Lindo bébé que morreste) com dez contos.
Bem se sabe é triste
(Dez contos)
Uma criancinha nossa atropelada
(Dez contos)
Mas a visão da casa remodelada
(Dez contos)
De um lar reconstituído
(Dez contos)
Faz esquecer muitas coisas (como o choramos!)
Dez contos!
Parece que foi por Deus que os recebeu
(Esses dez contos).
Pobre bébé trucidado!
Dez contos.


Álvaro de Campos

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