12 abril 2006

MÁSCARAS

Mini - Contos

No tempo em que o mundo era ainda massa informe e teatro etéreo, eu era já uma parte tenra desse invisível caos. O divino, meio cego e compadecido de mim, trajou-me com umas carnes sensíveis e deu-me um rosto. Tateei o meu invólucro. Descobri dor, finitude e opacidade. Senti minh'alma cerrada lá dentro, sem ar, som, luz ou alimento. No terceiro dia, ela relutou. Concentrou-se em minhas mãos e escorreu até a ponta dos meus dedos, elevando-se até a fronte. As unhas cavaam na pele nariz, boca e ouvidos. Cherei, bradei e ouvi, mas não me bastou. E minh'anima, sangrando por dentro, chorou, rasgando a máscara e se desnudou por concreto. Meus joelhos dobraram, pendeu a cabeça... Meus olhos se abriram, apagaram-se as luzes. Um silêncio no fim do espetáculo.

Pal


Molde perfeito
Muito pequeno José foi apontado o tímido da classe, calou-se. Na fase hormonal disseram que ele era inteligente, aceitou resignado. Quando desenfeiou aos 18 o elogiaram e cantaram. Ele acreditou e agiu como se esperava. Cansou-se de tudo e entristeceu, e agora? Depressivo. Satisfeito com o molde, pusera-se a vasculhar o mistério do ser homem.



Uma forma de amar
- Não dá.
- Por quê?
- Não sinto nada por ti.
- Só uma chance!
- Não.
Augusto vai pra casa e por Amélia mutila-se pela segunda vez.

Contraponto

Dentro do ônibus fita o rosto deformado de uma mulher. Força-se pensamentos positivos. Chega de chorar por desconhecidos. A mulher lhe sorri. Tarde demais. Vê agora tudo embaçado. É que a vida bela é.
Tarco Zan



L. Pegou um ônibus lotado para o trabalho. Cotoveladas, palavrões, indiferenças. No caminho, o motorista freou de súbito e foi aquela muvuca. Após dois engarrafamentos, enfim chegou no escritório e deparou com os mesmos rostos pálidos e emburrados. Os computadores, com seus bipes e telas coloridas, pareciam mais vivos do que aquela gente. Voltava para casa quando dois caras o abordaram. Espancaram-no e levaram sua carteira. Já no seu apartamento, L. entrou trôpego no banheiro e olhou-se no espelho. Pegou uma navalha e, trincando os dentes, fez vários cortes profundos na testa e nas bochechas. Depois riu. Desistiu de ser humano. Adotou para sempre aquela máscara de monstro.

Gil

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