02 abril 2006

Os Cães


Tradução Livre

Choveu durante toda a noite, mas havia um corrimão para apoio ladeando os tortuosos degraus de pedra. Com a outra mão livre ela segurava o pulso do filho, direcionando-o sempre. Carregá-lo nos braços era impossível, pois apesar de ter apenas cinco anos, o menino pesava feito chumbo.

O caminho estava repleto de galhos grossos com folhas espessas bloqueando-lhes a passagem. Alguns obstáculos eles escalavam, por outros eles se agachavam. Os degraus gastos rangiam, soltos e quebradiços. Havia mais deles do que ela previra. Aquele caminho lhe era totalmente novo. E também lhe disseram ser o único que a levaria ao homem do outro lado do descampado.

Quando finalmente alcançaram o campo, o menino se reavivou e gritou: “Duvido que me pegue!” e correu. Era a brincadeira predileta dele e num piscar de olhos lá estava ele, no meio da grama selvagem e alta. Mesmo alarmada, ela não quis assustá-lo com seus medos de mãe. Ela o seguiu por uma área aberta e estreita, cercada de árvores. Perdera-o de vista. Gritou a plenos pulmões até ouvir um sinal do filho.

Permaneceram um tempo a afundar o terreno gramíneo formando pegadas até que enveredaram por uma trilha. Logo se acharam numa clareira. Era uma área verde que tomaria quarenta minutos para ser atravessada. Assim tinham dito a ela.

Apesar da longa distância, apenas um ponto escuro ao longe, ela percebeu o cão de imediato. Quase que instantaneamente o ponto escuro crescia de tamanho e mais parecia uma bala de quatro patas. Ela sabia da existência de diferentes raças. Dálmatas, chihuahuas e assim por diante. Mas ela não guardava muitos nomes. Com o cão a aproximar-se do seu filho, ela considerou a hipótese do animal estar apenas procurando uma bola por entre as folhagens. Mas não havia bola alguma. O pequeno cão, com coleira metálica, havia aparecido do nada cruzando o horizonte feito uma sombra em direção a eles. O dono do bicho não estava a vista. Não havia nenhum ser humano que ela pudesse enxergar.

O garoto ao ver o cão, paralisou-se, mirando-o com curiosidade e depois com horror. O que podia fazer a mulher além de gritar e correr o mais que pudesse? O cão já havia derrubado o menino ao chão e não apenas o mordia como o devorava furiosamente.

Ela usava sapatos pesados e poderia acertar o bicho com força e desnorteá-lo por um momento. A fera foi pega de surpresa e ela tomou o menino nos braços. Era impossível verificar a gravidade dos ferimentos porque imediatamente ergueu a criança o mais alto que podia. Ela caminhava com dificuldade acompanhada pelo cão à espreita, pulando, latindo e abocanhando o ar. A mulher não entendia porque não temia aquele bicho feroz.

Ela passou a berrar, gritando em pânico ao constatar não ser possível carregar o filho por muito tempo. Exausta, ela parou e acertou um chute na boca do animal. Ele aquietou-se vencido.

Imediatamente um outro cão, peludo, apareceu de dentro dos arbustos correndo na direção deles. Um havia desistido de atacar o filho, mas ela se depara agora com uma verdadeira matilha ao seu redor. São cores e tamanhos diversos vindo de todas as direções. Quem os puseram ali? Porque estavam eles naquele lugar?

A mulher perdeu o equilíbrio e foi derrubada. Ela tentava cobrir a criança com o corpo enquanto as bestas ruidosamente preparavam o bote em círculo. Para pegar seu filho teriam que despedaçá-la primeiro. O que não demoraria. Os predadores eram numerosos e também estavam famintos.

Hanif Kureishi

Tradução livre de Ailson Lemos

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