Ela acorda cedo. Não há luz elétrica em casa (coisa do último bombardeio), mas como sempre se dá um jeito, lá estava a vela. Guia-lhe à cozinha o instinto. Um batido de panelas, o glut! de uma vasilha sendo afundada numa bacia de água, água em chuá! na chaleira.
O marido? Se sobre ele pergunta, leitor, é porque ou é um leitor burguês ou um burguês leitor. Não leu o título? Por acaso há maridos, pais, numa guerra?
Se não há marido, pelo menos há filho. Lá vem, esfregando os olhos, sem vergonha (está só de cueca). Vinte e cinco anos, mas, Deus tenha piedade, é uma garoto pelo que não viveu. E não viverá muito.Morrerá neste mesmo dia, num hotel em ruínas, dois tiros próximo à omoplata direita e um na cabeça, este dado por um soldado amigo seu, por misericórdia.
Soubesse aquela mãe do que eu sei e lhes contei, pouparia ela aquele pó de café e aquele açúcar? Não, certamente que não. Faria um café mais forte e docinho, talvez com um leve sabor salobre, se nele caísse uma ou outra lágrima.
Vestido, a roupa camuflada, encardida de suor, poeira e sangue, um boné verde, olha pela janela, o dia nascendo, uma palidez no mundo. Não beija a mãe, apesar de, sabia lá o motivo, bem gostaria de abraçá-la. Diz um até logo tímido. A mulher lava vasilhas e copos e de cabeça baixa mesmo se despede.
Guardem essa imagem dela, pois é assim, de cabeça baixa, que essa mulher sem marido, filho ou pátria vai seguir pelo mundo.
Se não há marido, pelo menos há filho. Lá vem, esfregando os olhos, sem vergonha (está só de cueca). Vinte e cinco anos, mas, Deus tenha piedade, é uma garoto pelo que não viveu. E não viverá muito.Morrerá neste mesmo dia, num hotel em ruínas, dois tiros próximo à omoplata direita e um na cabeça, este dado por um soldado amigo seu, por misericórdia.
Soubesse aquela mãe do que eu sei e lhes contei, pouparia ela aquele pó de café e aquele açúcar? Não, certamente que não. Faria um café mais forte e docinho, talvez com um leve sabor salobre, se nele caísse uma ou outra lágrima.
Vestido, a roupa camuflada, encardida de suor, poeira e sangue, um boné verde, olha pela janela, o dia nascendo, uma palidez no mundo. Não beija a mãe, apesar de, sabia lá o motivo, bem gostaria de abraçá-la. Diz um até logo tímido. A mulher lava vasilhas e copos e de cabeça baixa mesmo se despede.
Guardem essa imagem dela, pois é assim, de cabeça baixa, que essa mulher sem marido, filho ou pátria vai seguir pelo mundo.
Um comentário:
Gil, tocante demais. Senti em pelo um quê de orgulho e revolta. Li e reli. Não sei se te oferto pêsames ou parabéns, meu amigo...
Intertextualizando com o dia-a-dia, lembrei de quando fiz uma visita curiosa ao museu-casa do Cristiano Câmara, como bem você me recomendou. Lá, além de me boquiabrir com o acervo cinematográfico e musical, defrontei-me com frases soltas entre uma saleta e outra...
Tinha uma que dizia algo como: "Se o mundo fosse governado pelas mães que perderam os filhos na guerra, seria mais digno de se viver." Já uma outra falava: "Quando um homem morre, é como se uma biblioteca inteira se incendiasse."
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