08 dezembro 2006

Seleção Artificial

Como se dá o processo pelo qual um artista vem à luz? Questiono isso, por me surpreender com certa recorrência de mentes brilhantes, que intentaram estabelecer-se como artistas e não deram certo. Aponto apenas dois deles, que no entanto, convergiram seu brilhantismo para outros meios. Edmund Wilson, renomado crítico americano, e Paulo Francis, polêmico jornalista brasileiro. Ambos escreveram romances, ambicionaram a arte literária para imortalizar suas vozes. Os livros de ficção que escreveram são reconhecidos na posteridade como tentativas de se estabelecerem como escritores. Faltava-lhes algo. O quê? Talvez o intelectualismo sobrepujou a arte num caso e o ideologismo em outro.

Wilson pertenceu a uma geração literariamente rica e efervescente, tendo como pares Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway dentre muitos outros. A literatura de Wilson não alcançava o status que seus amigos logo conseguiram. Porém, seus textos críticos, muitos promovendo estes mesmos escritores, revelavam uma mente superior e uma erudição gigantesca. Seus ensaios versavam sobre quase tudo que o intelecto humano abarca: artes plásticas, música, teatro, cinema, política, cultura popular, história, e claro, literatura. Sua biografia é um documento de seu tempo e da arte de então. O mesmo se poderia dizer do jornalista Paulo Francis.

Antes de se estabelecer como analista político e cultural, escreveu alguns livros, tentou ser dramaturgo e ator, e entrou para o jornalismo cheio de idéias trotskistas e romântico-utópicas. No decorrer das décadas de 80 e 90, transformou-se numa verdadeira metralhadora cega dizendo o que queria e o que bem entendia acerca também de quase tudo. Em sua biografia escrita por Daniel Pisa, lê-se que Francis aos poucos se transformou, aos olhos do público, naquilo que escrevia - combatendo sempre a excessiva emotividade verde e amarela, e sempre deixando às claras (defeito?) suas posições preconceituosas e pouco argumentativas: um elitista deslocado (tresloucado?). Já na intimidade era pessoa afetuosa e bem-humorada, cosmopolita, elegante, sempre saudoso de uma época já inexistente. Aqui observa-se o inverso quanto a Wilson. Suas críticas acuradas, elegantes e eruditas destoavam do homem que na intimidade vivia plenamente os prazeres vulgares e mundanos de Nova York, guloso e luxurioso. Mesmo que suas biografias mostrem o lado B de ambos, fica-nos a impressão de que somos e seremos aquilo que escrevemos, o registro. Fazer literatura não é para qualquer um, mesmo com brilhantismo e gênio, é preciso algo mais. Suspeito que seja - timidamente sugiro - a alma do artista.

Tarco Zan

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