Chiquinho nunca vira aquele lugar tão vazio, silencioso e vasto. Aguardava o portão da escola abrir, o que levaria mais uma hora de espera. Estava enterrado no esmo, no nada, onde não cabe abstração alguma, nem mesmo um estou aqui e agora. Chiquinho coçava-se. O bafo incandescente da rua foi soprado pra dentro e o despertou para a brutalidade da tarde. Mesmo com os portões trancados, era possível ver por uma abertura a sombra dos pés de jambo e palmeiras que balançavam sonolentos. Os corredores abertos, o bloco de três andares de salas ao fundo, tudo jazia. A acústica da quadra coberta captava sons diversos, próximos e distantes.
O desolamento convida ao imponderável. Assim, Chiquinho subiu no balcão onde o porteiro costumava pastorear a horda barulhenta de meninos e meninas que entravam e saiam dali todos os dias e cumprimentavam "Seu Raimuuundo". Chiquinho içou o próprio corpo pra frente o mais alto e longe possível de olhos fechados. Ainda no ar, houve um choque. No fundo, quem se arrica a experimentar procura algo extraordinário. Nem que seja apenas um instante extradordinário. Chiquinho caiu sobre um corpo que, depois do susto, ai ai ai, esbravejou "Tá maluco cara? Me viu não? Porra! Tu manchou minha camisa, olha aí."
Chiquinho, estirado no chão, fitava o teto de amianto branco e distante. Lá em cima, entre um morcego e uma aranha pichados com caneta piloto preta, Chiquinho leu chiquinho gilete fdp. A demora dele buscando decifrar aquilo, ele realmente não compreendia, fez com que o menino estranho se acalmasse e o ajudasse a levantar. O menino, no mesmo estágio de puberdade que Chiquinho, camaradagem disney, disse "Estranho ainda não ter ninguém aqui, né?" Chiquinho com o gilete fdp na cabeça respondeu "Umhum."
"Como é teu nome broder?" quis saber o menino loiro e magro, mais pra espantar o clima esquisito entre eles. "Chico" respondeu Chiquinho, moreno, olhos escuros e exóticos, algo árabe, o que aqui não é nada árabe, é local mesmo. Passaram a conversar, uma pergunta puxando outra, amolecendo a lembrança do baque inicial no encontro aéreo. Pouco depois o portão abriu e saiu dona Leda. "O que vocês estão fazendo aqui? Não avisaram que a escola está de luto?" Chiquinho perguntou perplexo "Quem morreu, tia?" Ela disse, sem tristeza aparente "O seu Raimundo, meu filho." Daniel, o menino loiro, também não parecia afetado. Isso aos olhos de Chiquinho, porque a morte sempre afeta, mexe, assusta. Mas quem experimentou esse susto anteriormente desenvolve - às vezes, desenvolve - estratégias de enfrentamento, o que não era o caso de Chiquinho.
Os meninos saíram do hall de entrada e caminharam juntos por algumas quadras. Daniel viu o choque de Chiquinho e permaneceu calado. Até que Chiquinho dobrou à direita e Daniel seguiu reto pra casa.
T
A
RCO
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