11 janeiro 2009

Nada Aconteceu



Aqui vai uma bem bizarra pra vocês. Faz alguns anos, eu tinha 19, me preparava pra sair de casa, ir morar sozinho, e um dia enquanto eu aprontava minhas coisas, subitamente me veio a lembrança do meu pai sacudindo o pau dele no meu rosto quando eu era muito criança. Uma lembrança assim, que vem do nada, mas é tão detalhada e sólida que sei ser totalmente verdadeira. De repente eu sei que realmente aconteceu, não foi sonho, apesar de conter a mesma estranheza dos sonhos. Eis aqui a memória súbita. Eu tinha em torno de oito ou nove anos, estava sozinho na sala de vídeo, no andar de baixo. Eu assistia TV depois da escola. Meu pai entrou na sala e parou em pé diante de mim, entre eu e a televisão. Ele não disse nada, e nem eu. E sem nada dizer ele pôs o pau pra fora e começou a balançar aquilo na minha cara. Lembro que não havia mais ninguém em casa. Acho que era inverno, pois lembro do frio que fazia na sala de vídeo. Tanto é que eu estava enrolado com o cobertor da TV. Parte do grande espanto de ver meu pai balançando o pau na minha frente deve-se ao fato de ele não ter dito uma palavra sequer, (eu lembraria caso ele houvesse dito algo), e não ficou nada na memória sobre a expressão que ele tinha no rosto. Nem mesmo lembro se ele olhava para mim. Tudo que lembro é do pau. É como se o pau reclamasse toda a atenção. Ele estava sacudindo aquilo sem dizer nada, sem comentar nada, mexendo como a gente faz quando se masturba, mas, também, havia algo ameaçador, algo do tipo valentão, na forma como ele fazia aquilo. Lembro, também, de como o pau parecia um punho que ele colocava no meu rosto me desafiando a dizer alguma coisa, lembro de estar enrolado no cobertor da TV, e não poder levantar e sair da frente daquele pau, tudo que lembro é de ter girado a cabeça para todos os lados, tentando tirar aquilo da minha cara, (o pau). Este foi um desses incidentes completamente insanos que de tão estranhos não parecem estar acontecendo com você enquanto acontecem. A única vez que eu tinha visto anteriormente de relance o pau do meu pai foi num vestiário. Lembro de ter virado o rosto lentamente, o pau me seguindo insistentemente, e pensamentos altamente bizarros passando pela minha cabeça, como, “movo minha cabeça exatamente como uma cobra,” etc. Ele não teve ereção. Lembro que o pau era um pouco mais escuro do que o resto do corpo dele, e grande, com uma veia enorme e horrenda de um lado. O pequeno orifício na ponta parecia estreito e amuado, e abria e fechava de leve enquanto meu pai sacudia o membro, mantendo-o no meu rosto não importando para onde eu movesse a cabeça. Essa é a lembrança. Depois dela (a lembrança), eu passei a circular pela casa dos meus pais vagando, como uma nuvem, totalmente fora de mim, sem falar nem perguntar a ninguém sobre isso.

trecho de Nothing Happened, de David Foster Wallace

***
David Foster tem sido, pós-vida, considerado o maior autor americano de sua geração (1962-2008).

tradução: Tarco Lemos
gravura de Jean Cocteau

2 comentários:

Unknown disse...

Incestuosamente chocante e fodido. A associação da gravura com o texto impressiona. Dá pra notar até um indício de língua na boca da criança, um quê de satisfação parental. Tudo velado no real (de David Foster?), mas a literatura faz transbordar o sêmen do grotesco. Procurarei dados biográficos. Parabéns pela tradução, Tarcock!

Tarco disse...

hihi, adorei tarcock
j'adore ;)