Perguntei pro namorado “Tu consegue pensar em viver com alguém que não ama?” Eu tinha acabado de fazer uma pausa mais ou menos na metade do filme O Segredo dos seus olhos, o premiado filme argentino. Estava intrigado com a história de amor e amizade entre Benjamin Espósito e Irene Hastings, colegas de trabalho num tribunal de justiça.
A primeira cena do filme mostra Irene e Benjamin se
despedindo numa estação de trem, como se fossem amantes. Mas no decorrer do
filme, vemos a camaradagem de bons companheiros que, apesar da admiração mútua
e atração, zelam pela amizade. Irene se casa e tem filhos. Benjamin passa dez
anos longe de Buenos Aires, pois foi ameaçado de morte justamente por
investigar o crime que é o fio condutor da narrativa. Ele também casa, mas logo
se separa. O filme tem idas e vindas no tempo. Sabemos que vinte e cinco anos
após o crime, Benjamin está aposentado e tenta escrever um romance sobre um
amor não consumado, e sobre o crime que investigou (que o tocou justamente por
envolver uma história de amor). Daí me intrigou bastante a hesitação dos
personagens em não se permitirem uma chance. Parei o filme, fui pegar
brigadeiro na geladeira e fiz a bendita pergunta que assustou muito meu
namorado e me tomou uma hora de contextualização ao telefone. Ah, o amor.
Benjamin tem dificuldades na escrita do tal romance. Em
determinado momento, ele diz que os olhos falam, e falam tanto que às vezes é
melhor calar. Se estabelece então o impasse entre a não expressão, no plano
amoroso, que nitidamente afeta a expressão no plano da escrita, e a fala, que
pode se tornar um excesso e causar aborrecimentos. Irene pede para ele falar
inúmeras vezes, como se soubesse exatamente o que ele tem a dizer.
Benjamin usa uma velha Olivetti que não tem a letra a,
uma das delicadezas na construção simbólica do filme. Outro problema para a
escrita do romance de Benjamin vem da dificuldade em descrever a dor. A sua e a
dos outros, no caso, o casal destruído pelo crime que ele investigou. O que
dizer quando a dor é grande demais? Expressar, registrar, recompor interdições
da vida na ficção alivia? É muito complicado, como diz um dos personagens. O personagem,
alvo do crime, aconselha Benjamin a esquecer tudo, a se desligar do passado e
viver o que resta. Eis outro impasse. A escrita é um registro, e assim, para
esquecer a história que tem em mente Benjamin precisa abdicar do romance, sua
realização como escritor.
Ao final do filme percebi o equívoco da minha questão inicial.
Eu estava pensando em histórias que não aparecem no filme. Na vida de Irene com
o marido, que em momento algum aparece. O breve casamento de Benjamin, que é
apenas mencionado. A convivência de Benjamin e Irene, por outro lado, é quase onipresente.
No filme eles aparecem o tempo todo juntos. É um belo filme.
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