07 fevereiro 2013

O segredo de seus olhos


Perguntei pro namorado “Tu consegue pensar em viver com alguém que não ama?” Eu tinha acabado de fazer uma pausa mais ou menos na metade do filme O Segredo dos seus olhos, o premiado filme argentino. Estava intrigado com a história de amor e amizade entre Benjamin Espósito e Irene Hastings, colegas de trabalho num tribunal de justiça.

A primeira cena do filme mostra Irene e Benjamin se despedindo numa estação de trem, como se fossem amantes. Mas no decorrer do filme, vemos a camaradagem de bons companheiros que, apesar da admiração mútua e atração, zelam pela amizade. Irene se casa e tem filhos. Benjamin passa dez anos longe de Buenos Aires, pois foi ameaçado de morte justamente por investigar o crime que é o fio condutor da narrativa. Ele também casa, mas logo se separa. O filme tem idas e vindas no tempo. Sabemos que vinte e cinco anos após o crime, Benjamin está aposentado e tenta escrever um romance sobre um amor não consumado, e sobre o crime que investigou (que o tocou justamente por envolver uma história de amor). Daí me intrigou bastante a hesitação dos personagens em não se permitirem uma chance. Parei o filme, fui pegar brigadeiro na geladeira e fiz a bendita pergunta que assustou muito meu namorado e me tomou uma hora de contextualização ao telefone. Ah, o amor.

Benjamin tem dificuldades na escrita do tal romance. Em determinado momento, ele diz que os olhos falam, e falam tanto que às vezes é melhor calar. Se estabelece então o impasse entre a não expressão, no plano amoroso, que nitidamente afeta a expressão no plano da escrita, e a fala, que pode se tornar um excesso e causar aborrecimentos. Irene pede para ele falar inúmeras vezes, como se soubesse exatamente o que ele tem a dizer.

Benjamin usa uma velha Olivetti que não tem a letra a, uma das delicadezas na construção simbólica do filme. Outro problema para a escrita do romance de Benjamin vem da dificuldade em descrever a dor. A sua e a dos outros, no caso, o casal destruído pelo crime que ele investigou. O que dizer quando a dor é grande demais? Expressar, registrar, recompor interdições da vida na ficção alivia? É muito complicado, como diz um dos personagens. O personagem, alvo do crime, aconselha Benjamin a esquecer tudo, a se desligar do passado e viver o que resta. Eis outro impasse. A escrita é um registro, e assim, para esquecer a história que tem em mente Benjamin precisa abdicar do romance, sua realização como escritor.

Ao final do filme percebi o equívoco da minha questão inicial. Eu estava pensando em histórias que não aparecem no filme. Na vida de Irene com o marido, que em momento algum aparece. O breve casamento de Benjamin, que é apenas mencionado. A convivência de Benjamin e Irene, por outro lado, é quase onipresente. No filme eles aparecem o tempo todo juntos. É um belo filme.

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